quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A montanha e o mar


Fiquei me perguntando se Dom Quixote era louco ou na verdade extremamente lúcido. Depois notei que esse questionamento sequer fazia sentido. Ou afinal de contas não vivemos um delírio coletivo? Somos seres delirantes por natureza, acho. Penso que entendi um pouco Dom Quixote ao encarar a montanha, aquele gigante de pedra. Criaturas gigantes nos fazem lembrar que somos minúsculos. Percebi que só se sobe uma montanha ao aceitar cada passo. E nessa longa caminhada rumo ao ponto mais alto o próprio sentido de infinito altera-se indefinidamente. A montanha nos ensina sobre alcançar o céu e manter os pés firmes no chão. Depois a gente descobre que subir é mais fácil que descer - a montanha nos faz sentir grandes e é na descida que nos deparamos com a pequenez. Os limites do cansaço, da sede e da fome se expandem. Ao descer, estamos irremediavelmente avançando rumo ao nível do mar onde nos aguarda o oceano.

Assim decidimos seguir. Como alpinistas, marujos, cavaleiros ou mesmo astronautas. Microscópicos seres delirantes em uma jornada sem fim rumo à imensidão.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Autorretrato


Eu me apresento como um corpo em busca de uma conexão apesar de sentir-se conectado. A mente que flutua como partículas de oxigênio - ou outros gases nobres. Volátil em essência, porém capaz de estabelecer uma rede energética de neurônios que se comunicam através de espasmos. Por outro lado, raízes, rizomas, uma energia densa que me prende ao chão. Um peso que me permite voar, mas sempre retornar. É essa conexão com a terra sob meus pés que me impele a olhar para a energia sutil dispersa no ambiente ao redor. Porém como equilibrar-se, como fluir entre energias de densidades tão diferentes sem nunca desconectar-se da outra? Meu desafio está nesse entre. Nas bordas, nos limites, na delimitação, na criação de canais energéticos, pontes entre ilhas aparentemente desconexas. Em um constante deslocamento. Em um não-lugar. Em um sentir-se sempre fora, sem se encaixar, sem se identificar. Mas ao mesmo tempo estar, ocupar, fluir, deslocar-se, literalmente ser nessa utopia de predefinições oníricas de um inconsciente coletivo delirante.